sábado, dezembro 18, 2010

Por que ler os clássicos

Italo Calvino (1923 - 1985), nesse seu pequeno grande Ensaio de ensaios, começa o livro com algumas propostas de definição sobre os clássicos, que vale a pena recuperar e registrar para reflexão dos amantes dos livros.

1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou relendo... " e nunca "Estou lendo...".

O prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma pequena hipocrisia por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um livro famoso. Para tranquilizá-los, bastará observar que, por maiores que possam ser as leituras "de formação" de um indivíduo, resta sempre um número enorme de obras que ele não leu.

2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.

3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.

5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.

A definição 4 pode ser considerada corolário desta:

6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.

Ao passo que a definição 5 remete para uma formulação mais explicativa como:

7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).

8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente a repele para longe.

9. Os classicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.

10. Chama-se clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.

11. O "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.

12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele reconhece logo o seu lugar na genealogia.

13. É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.

14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.

A única razão para ler os clássicos que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos.
E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran: "Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. 'Para que lhe servirá?', perguntaram-lhe. 'Para aprender esta ária antes de morrer'".

(Texto escrito por Italo Calvino em 1981.)


Calvino, Italo Por que ler os clássicos São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, p. 9-15

domingo, novembro 14, 2010

Os Justos *

Ética da inteligência coletiva

* A Inteligência Coletiva, por uma antropologia do ciberespaço, Pierre Levy, tradução Luiz Paulo Rouanet, São Paulo: Edições Loyola, 6a. ed. 2010, capítulo 1, p. 35-36

Gênesis, capítulos 18 e 19. Um grande clamor se ergue contra Sodoma e Gomorra devido a seus pecados. Tendo Deus resolvido destruir essas cidades, nas quais se cometiam muitas injustiças, decide falar primeiro a Abraão. Embora, diante de Deus, não passe de poeira e cinzas, o patriarca enceta com o Eterno uma extraordinária sessão de negociação: "Talvez haja
cinquenta justos na cidade! Vais de verdade suprimir esta cidade, ou perdoá-la por causa dos cinquenta justos que ali se encontram? Sucederia ao justo o mesmo que ao culpado?”. Deus concede a Abraão a salvação da cidade, caso ali se encontrassem cinquenta justos. Mas o patriarca insiste e continua a negociar a salvação da cidade por quarenta e cinco, depois trinta, vinte e, finalmente, por dez justos apenas.

Ao cair da noite, dois anjos chegam às portas de Sodoma. Nada, em sua aparência, indica que sejam enviados de Deus. Para todos, são pessoas de passagem, viajantes desconhecidos. Lot, que estava sentado à entrada da cidade, convida esses estrangeiros à sua casa, dá-lhes de comer e trata-os com perfeição, segundo as regras da hospitalidade. Eles ainda não haviam se deitado quando a população de Sodoma se reúne em torno da casa de Lot e pede para ver os estrangeiros, “para deles abusar”. Lot se recusa a entregar seus hóspedes; chega a oferecer em troca suas filhas ao populacho encolerizado. Mas eles não querem saber. A demonstração permitiu contar o numero de justos em Sodoma: apenas um. Os anjos organizam a fuga de Lot e sua família. Assim que eles partem, a cidade é destruída.

[...] O que o próprio texto mostra, com efeito, não é tanto um princípio transcendente do bem e do mal quanto a força de pessoas vivas e ativas, os “justos”, capazes de trabalhar para a existência do mundo humano.

Se considerarmos a mulher de Lot sua “metade”, seu destino ilustra a tentação do justo de demorar-se no julgamento, mais do que de acolher o outro humano. Em sua mulher, Lot se identifica ao juiz, ou mesmo ao princípio abstrato da justiça, em vez de continuar a ser um justo vivo. A mulher de Lot volta-se para contemplar a fornalha em que agonizam os habitantes das cidades e, ao fazê-lo, reifica uma prática de “valor” transcendente. Os justos fazem viver, os juízes se petrificam. A todo momento o justo pode se esquecer de si próprio e transformar-se em estátua de sal, rígida como a justiça.

É de supor que a barganha entre Deus e Abraão ocorre o tempo todo e para todas as cidades. Se o mundo humano subsistiu até hoje, é porque sempre houve um número suficiente de justos. Porque as práticas de acolhida, ajuda, abertura, cuidado, reconhecimento e construção, afinal, são mais numerosas ou mais fortes que as práticas de exclusão, indiferença, negligência, ressentimento, destruição... Se os pais não amassem seus filhos, se as pessoas passassem seu tempo exclusivamente tendo inveja umas das outras, abusando umas das outras, se matando, a espécie humana não teria sobrevivido. A chuva de enxofre e de fogo que queima Sodoma e Gomorra não cai do céu, mas sobe das próprias cidades: são as labaredas da discórdia, da guerra, das violências a que se entregam os seus habitantes. Mas nem todas as cidades foram destruídas, e nossa presença na Terra prova que, até o momento, e globalmente, a “quantidade de bem” foi superior à “quantidade de mal”. Essa avaliação não visa de modo algum justificar os sofrimentos e reveses da humanidade pelo “bem” eventualmente obtido. Destina-se apenas a equilibrar a publicidade que se dá ao mal pela consideração de um fato, de um resultado bruto: continuamos presentes. A megalópole humana ainda não foi destruída.

[...] O mal é mediado, mas os justos se ocultam, discretos, anônimos ignorados. Mas, então, como reconhecê-los? O texto mostra um grande tribunal, um juízo final, uma ponderação das almas em alguma balança derradeira? Não, mas migrantes que percorrem o mundo e se apresentam, uma tarde, cobertos da poeira da estrada, na entrada de uma cidade. Só se pode reconhecer os justos andando pela região.

Não existe justiça transcendente, nem onisciência que permita a seleção. É necessário seguir os nômades. Eles vão ao encontro dos invisíveis que sustentam o mundo. Descobrem os justos que tecem na sombra o laço social.

(Grande saber!)

domingo, novembro 07, 2010

Deleuze, doença e literatura

Escrever não é contar as próprias lembranças, suas viagens, seus amores e lutos, sonhos e fantasmas. Pecar por excesso de realidade ou de imaginação é a mesma coisa: em ambos os casos é o eterno papai-mamãe, estrutura edipiana que se projeta no real ou se introjeta no imaginário.
É um pai que se vai buscar no final da viagem, como no seio do sonho, numa concepção infantil de literatura. Escreve-se para pai-mãe.
[...]
Não se escreve com as próprias neuroses.

A neurose, a psicose não são passagens de vida, mas estados em que se cai quando o processo é interrompido, impedido, colmatado.

A doença não é processo, mas parada de processo, como no "caso Nietzsche". Por isso o escritor, enquanto tal, não é doente, mas antes médico, médico de si próprio e do mundo.


"O mundo é o conjunto de sintomas cuja doença se confunde com o homem".

A literatura aparece, então, como um empreendimento de saúde: não que o escritor tenha forçosamente uma saúde de ferro [...], mas ele goza de uma frágil saúde irrestível, que provém do fato de ter visto e ouvido coisas demasiado grandes para ele, fortes demais, irrespiráveis, cuja passagem o esgota, dando-lhe contudo devires que uma gorda saúde dominante tornaria impossíveis.

Gilles Deleuze - A literatura e a vida "in" Crítica e Clínica, São Paulo: editora 34, 1997 - p.12-13-14

A literatura de uma língua é sua proteção

...diz a filósofa e pensadora Olgária Matos, em seu belíssimo ensaio Democracia midiática e República cultural(*). E prossegue: "Se o interesse pela literatura diminuir ou desaparecer, é a própria língua que estará ameaçada de extinção." Com outro olhar, o escritor Mario Vargas Llosa sai Em Defesa do Romance na edição deste mês de Piaui. E conta que... "Uma pesquisa organizada recentemente pela Sociedade Geral de Autores Espanhóis forneceu um dado alarmante: metade dos habitantes daquele país jamais leu um livro." Qual seria o resultado de uma pesquisa similar, se fosse levada a cabo no Brasil, hoje? Receio que nao seria muito diferente, ou melhor.
Como a filósofa, Vargas Llosa deixa uma mensagem de humanização, destacando que "a especialização, característica da ciência e da técnica, leva à incomunicabilidade social, à fragmentação do conjunto de seres humanos em guetos culturais de técnicos e especialistas, enquanto que os leitores de Cervantes, Dante, Shakespeare ou Tolstoi, sao ligados por "denominadores comuns da experiência humana, graças aos quais os seres vivos se reconhecem e dialogam, independentemente de quão distintas sejam suas ocupações e seus desígnios vitais, as geografias, as circunstâncias em que se encontram e as conjunturas históricas que lhes determinam o horizonte
".
Vale a pena!
(*)
"in" Discretas Esperanças São Paulo: Nova Alexandria, 2006 p.24

Joyce e a formação em Clongowes Wood


Em primeiro de setembro de 1888, com a idade de "seis-e-meia", Joyce foi levado pelos pais para se matricular na melhor escola preparatória católica da Irlanda, Clongowes Wood College, situada cerca de trinta quilômetros a oeste de Dublin, num campo perto de Clane.


A mãe o beijou, chorou e recomendou-lhe que não falasse com os meninos grosseiros; o pai deu-lhe dez xelins, lembrou-lhe que fora em Clongowes que seu bisavô, John O' Connell, dirigira um discurso ao Libertador, cinquenta anos antes, e disse-lhe que nunca delatasse um colega.

Exceto por um pequeno período, os jesuítas, que dirigiam Clongowes, viriam a ser os mestres de Joyce até ele terminar a sua educação universitária, em Dublin. Ele nunca se recuperou dessa instrução.

Conforme Buck Mulligan diz a Stephen em
Ulysses, "você tem por dentro esse maldito sangue jesuíta, só que ele foi injetado do lado errado".
Mais tarde, Joyce viria a louvar os jesuítas por terem lhe ensinado a "ajeitar as coisas de tal forma que elas se tornam fáceis de examinar e julgar".


James Joyce, Chester G. Anderson, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1967, p. 16-17









domingo, janeiro 17, 2010

Dos poemas preferidos de Borges

El otro, el mismo , livro preferido de Borges, acaba de ser editado pela Companhia das Letras, com excelente resenha de Giovanna Bartucci hoje, no Estado.
Mas, enquanto isso, saboreie
"A quien está leyéndome"


Eres invulnerable. ?No te han dado
Los númenes que rigen tu destino
Certidumbre de polvo? ?No es acaso
Tu irreversible tiempo el de aquel río
En cuyo espejo Heráclito vio el símbolo
De su fugacidad? Te espera el mármol
Que no leerás. En él ya están escritos
La fecha, la ciudad y el epitafio.
Sueños del tiempo son también los otros,
No firme bronze ni acendrado oro;
El universo es, como tú, Proteo.
Sombra, irás a la sombra que te aguarda
Fatal en el confín de tu jornada;
Piensa que de algún modo ya estás muerto.

domingo, janeiro 03, 2010

Reveillon em Nova Manhã






Passamos o reveillon em Nova Manhã, aqui em Águas de Lindóia: Pedro Henrique, mamãe Márcia, papai Alfredo, tia Jane e Nova a babá índia, que aproveitou para dormir na rede, na varanda.


Hoje, um lindo dia de sol, clima ameno e agradável, viemos tomar um café espresso, aqui no Café Marrocos. Uma delícia!, enquanto o Pedro Henrique aproveitava para brincar com o chapéu da tia...