Muita gente vai ao teatro e se aborrece. Outros acham a peça de mau gosto. Outros ainda não compreendem o que estão vendo. Existem os espectadores obedientes, que reagem a tudo com aquele tipo de admiração resignada, e os bélicos, que travam uma luta aberta com qualquer tentativa de significação. Há os que reduzem o que veem a um mero exercício eficaz e luxuoso de insensatez. E há aqueles também que concordam com a loucura toda e se entregam de corpo e alma à farsa.
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Mas, basicamente, um indivíduo assiste a um espetáculo teatral por três razões: para se divertir, para jogar e para conhecer melhor a si mesmo e ao outro.
... É possível acrescentar uma quarta motivação à lista: podemos ir ao teatro também para vermos abaladas nossas próprias convicções.
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Seguem seis das certezas mais comuns que o teatro pode ajudar a derruir.
1a. Convicção a ser abalada: a noção de gênero
...sendo possível misturar o lírico, o trágico, o dramático, o épico e, acima de tudo, propor o " romance dentro do romance" e o "teatro dentro do teatro", como, aliás já haviam feito Cervantes e Shakespeare, verdadeiros artífices da liberdade da liberdade de criação moderna da qual somos tributários até hoje.
"Não existe pureza de gêneros em sentido absoluto", já adverte Anatol Rosenfeld.
2a.: a noção de texto
Embora o repertório de peças escritas desde os gregos seja vastíssimo e esteja ao alcance de artistas e público até hoje, o teatro não é essencialmente uma arte literária.
"Na cena contexto não há ribalta: não existe por trás do texto ninguém ativo ( o escritor ) e diante dele ninguém passivo ( o leitor ); não há um sujeito e um objeto", assevera Roland Barthes.
3a.: a noção de espaço cênico
Embora o teatro tenha nascido ao ar livre e logo ocupado praças e ruas, ainda é muito forte em nós a vontade de nos sentarmos em poltronas confortáveis - dispostas diante do chamado palco italiano, que nos oferece uma visão bastante objetivada das ações - dentro de edifícios suntuosos ou impregnados de história.
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Teatro não quer dizer "lugar confortável e aconchegante". Teatro em grego significa, simplesmente, "local de onde se vê".
4a.: a noção de entretenimento
... O teatro pode e deve naturalmente divertir, mas com a ousadia de levar o espectador a assumir um percurso radical: desviar-se rumo àquilo que o atraia de modo radical.
5a.: a noção de sentido
... O teatro é uma arte que leva o espectador a renunciar aos conluios semânticos e a violar as regras dos significados vigentes.
6a.: a noção de eu
As criações teatrais mais penetrantes da atualidade tratam da natureza intersubjetiva do fenômeno teatral, tecida a partir do desejo do espectador de se relacionar plenamente com o outro, à custa mesmo da perda de referências individuais, pessoais, psicológicas etc., a que tal envolvimento possa conduzi-lo.
Welington Andrade, Manifesto ao espectador contemporâneo, CULT, # 187, p. 65
sábado, fevereiro 08, 2014
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